Por Carlos Brickmann
O Supremo Tribunal Federal julgou inconstitucional o decreto-lei nº 972, de 17 de outubro de 1969. Que é que diz este decreto? Citemos seu início:
Decreto-Lei n º 972, de 17 de outubro de 1969
Dispõe sobre o exercício da profissão de jornalista.
OS MINISTROS DA MARINHA DE GUERRA, DO EXÉRCITO E DA AERONÁUTICA MILITAR, usando das atribuições que lhes confere o artigo 3º do Ato Institucional nº 16, de 14 de outubro de 1969, combinado com o § 1º do artigo 2º do Ato Institucional nº 5, de 13 de dezembro de 1968,
DECRETAM:
Art 1º O exercício da profissão de jornalista é livre, em todo o território nacional, aos que satisfizerem as condições estabelecidas neste Decreto-Lei.
Enfim, há muita gente chateada por ter perdido a liberdade gentilmente concedida pelos senhores ministros integrantes da Junta Militar que governava o país (e que, na ocasião, rejeitavam o nome de Junta Militar: queriam ser conhecidos como "ministros militares no exercício provisório dos poderes da Presidência da República". O deputado Ulysses Guimarães simplificou a denominação: imortalizou-os como "Os Três Patetas").
Mas o tal decreto-lei cuja extinção tantos agora lamentam já foi extinto há muitos anos. Profissionais oriundos de outras áreas, como Arnaldo Jabor, Diego Mainardi, Emir Sader, trabalham sem problemas, e há muito tempo, em órgãos de imprensa. E o decreto-lei não faz falta – a não ser para os que cursaram faculdade de jornalismo em busca do diploma, e não do conhecimento.
Muitos protestam por ter gasto dinheiro numa faculdade cujo diploma se tornou desnecessário, ou por ter perdido anos de sua vida no estudo. Estão errados: exercer o jornalismo exige conhecimento, não um canudo de papel com o nome escrito em letras góticas. Se a faculdade de jornalismo der este conhecimento, terá cumprido sua missão, terá dado retorno ao investimento de tempo e de dinheiro. Quem exerce dignamente a profissão de jornalista, com ou sem diploma, jornalista é.
Não é preciso reservar mercado para quem tiver condições de competir no mercado. O Fernando Gabeira jamais precisou de diploma; o Ricardo Kotscho também não. Para quem quiser ser um bom jornalista bastam os conhecimentos adquiridos dentro ou fora da faculdade. Quanto ao diploma, podem até esquecer-se de ir buscá-lo.
É curioso que ninguém tenha dito, desta vez, que os patrões lutaram pela revogação do decreto-lei 972 para poder pagar menores salários. Conheço o Fernando Gabeira e o Ricardo Kotscho desde a década de 1960; os dois sempre estiveram entre os maiores salários da Redação, em todos os veículos em que trabalharam. E não se diga que os não-formados são os preferidos dos patrões porque sua ética é mais flexível. Os dois exemplos citados funcionam também aqui.
O problema, acredito, é que o Brasil se acostumou às regulamentações. Aqui tivemos lei de imprensa e censura à imprensa antes de termos imprensa. Tivemos generais comandando a extração de petróleo antes que petróleo houvesse para ser extraído (e, de passagem, incomodando pioneiros que queriam trabalhar, como Monteiro Lobato). Nos Estados Unidos, existem faculdades de jornalismo, mas o diploma não é obrigatório. E, embora toda a nossa formação jornalística se baseie na americana, não prescindimos das ordenações que pretendem tudo regulamentar, e que lá não existem.
Ah, os regulamentos! Pois não é que os mesmos oficiais-generais que generosamente regulamentaram o exercício da profissão de jornalista cuidaram também de regulamentar o que os jornalistas poderiam publicar? Um texto engraçadíssimo, que vale a pena pesquisar, é o de regulamentação das revistas de mulher pelada. Está escrito que, nas fotos, poderia aparecer um mamilo nu; dois, não. Mas, se a foto fosse feita com camiseta molhada, ambos os mamilos poderiam aparecer através do tecido. Pelos púbicos, nem pensar. E ficavam proibidas as fotos de nádegas frontais.
Alguém já terá visto nádegas frontais?
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