terça-feira, 16 de junho de 2009

SÍNDROME DE POLIANA

Por Marina Silva*

ACUMULAM-SE AS evidências de que a ação humana está mudando o clima da Terra em velocidade maior do que se pensava, acelerando a transformação de todos os ecossistemas.

Foi o que me disse há alguns dias Carlos Nobre, respeitado especialista em climatologia, pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e membro do IPCC, o Painel de Mudanças Climáticas da ONU. Ele falava do encontro de cientistas de todo o mundo em Copenhague, na Dinamarca, numa reunião preparatória para a Conferência do Clima (COP-15), que acontecerá lá mesmo, em dezembro deste ano.

Segundo Nobre, as previsões estão sendo, infelizmente, revistas para pior. O mundo terá que tomar medidas enérgicas para conter o aquecimento global, cuja face mais visível é o derretimento crescente da cobertura de gelo do Ártico, no Polo Norte. A tendência é que ela se derreta completamente. "Isso é muito sério, e terá reflexos no clima de todo o planeta e em toda a biologia marinha", disse ele. "Antes, a previsão era de que isso poderia acontecer no ano 2100. Agora já se pensa em algo como 2030 a 2050".

Que no fim do século 21 a Terra será mais quente não há mais dúvidas. A questão, alerta Nobre, é de quanto será essa alteração. Há uma previsão de aumento médio da temperatura entre 1,8C e 4,5C.

Acima de 2C já poderá ser catastrófico, mas muitos, numa atitude que poderíamos chamar de síndrome de Poliana, preferem pensar que o aumento será de apenas 1,8C e tudo terminará bem. No entanto, ninguém pode garantir que não chegará a 4,5C. A hora é de precaução, o que significa reduzir drasticamente as emissões de carbono.

No encontro de Copenhague, chegou-se a falar em corte, até 2050, de 100% nas emissões dos países ricos. Na média global, essa "descarbonização", como chamam os cientistas, terá que chegar a 80% em meados do século. Para isso, países em desenvolvimento terão que reduzir as suas emissões entre 70% e 75%.

Percentuais à parte, o Brasil não pode se eximir de fazer o seu papel.

Nesse quesito, Poliana precisa ser avisada de que nem tudo vai bem.

Hoje o país faz a sua lição de casa incompleta e sem a necessária persistência. Volta atrás em caminhos penosamente percorridos e abre o flanco a riscos enormes de aumentar desmatamentos -nossa maior fonte de emissão de gases do efeito estufa-, e o Estado não induz a uma cultura de sustentabilidade.

Acorde, Poliana! A situação é grave, e hoje em dia não basta o pensamento positivo. Ele ajuda muito, mas apenas quando somado à coerência e à ação.

* MARINA SILVA é senadora (PT/AC) e escreve às segundas-feiras na coluna da UOL.

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