Ronaldo Duran*
“Chegará o dia em que todos nós broxaremos... É tão certo como a noite vem depois do dia”, me disse certa vez o cara mais zureta da turma de teatro. Rebati dizendo que fazer humor para mim era como respirar, impossível viver sem. Sorriu ele. Talvez fosse me perguntar se eu tinha nascido fazendo piada, mas calou-se. Percebeu que além do jargão tinha muita sinceridade de minha parte.
A carreira começou. Tinha vinte e poucos anos. Calhei de ser piadista. Antes tentei fazer algo sério, tipo Shakespeare. Gostei dos clássicos, porém, meus preferidos eram os bufões, que despem a suposta seriedade que cada pessoa carrega, vislumbrando o ridículo nos papeis sociais.
As piadas caíam como luva. Raro as manhãs que eu não compunha três ou quatro delas. Nem a cachaça me inibia a produção. Pelo contrário, na roda de bar vinham mais e mais.
Do teatro amador veio um convite para alçar vôo televisivo. Não me pergunte como nem por quê. Um dia estava como figurante num programa de televisão. Minha cara estampada em nível nacional. As piadas não eram de minha autoria. Nem por isso elas eram menos divertidas. Empolguei-me.
Para fama foi um pulo. Difícil de acreditar: ganhar um dinheirão como piadista.
Para tristeza minha, percebi que a minha destreza tinha meramente o dom de levar ao êxtase quando proporcionava ao ouvinte um desabafo frente à realidade que ele acreditava dura, injusta ou tediosa. Uma piada o aliviava pela falta da grana, pela corrupção ventilada na TV e nos jornais, pela nulidade que encarava a vida na periferia, no barraco, sem o mínimo de conforto. Entendi que não era por mim tampouco por qualquer traço de genialidade que os gritos e frenesi em me ver eram produzidos. Nada, eu era o palhaço que servia para que eles se desabafassem inconscientemente frente a uma realidade que não conseguiam sequer controlar, muito menos mudar.
Pior, se ali eu não estivesse, outro qualquer seria aplaudido, venerado. Em solo brasileiro, piadistas aos montes não faltarão para substituir-me.
O tortuoso raciocínio provocou desânimo no palco. Broxei, na verdade, bem antes, quando não conseguia mais encher uma lauda de piadas.
De repente, me vi o contrário do que fui durante toda a carreira. Taciturno, cabisbaixo, sem graça sequer para pronunciar uma piada. Por onde anda meu colega que teorizou a broxidez, a falta de pique. Tomamos rumos diferentes. Nunca mais o encontrei. Queria tanto perguntar se esse tédio pelo trabalho é passageiro ou definitivo.
*Ronaldo Duran é romancista e também escreve no blog Informativo Literatura Viva
Que blog de merda, tinha que ser desse viado
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