segunda-feira, 16 de maio de 2011

VAMOS FALAR DE PIRATARIA

Sergio Santos*

Ouço constantemente os políticos, os artistas e um grupozinho de pessoas que condenam a pirataria e tratam como crime. Crime? Duvido muito. Na verdade, discordo que o seja. Crime é pagar para o brasileiro o salário de fome que se paga; crime é permitir que a gasolina – num país que é auto-suficiente em Petróleo – chegue a ser a mais cara do mundo; crime é fazer o brasileiro, que já ganha uma miséria, pagar o maior tributo do mundo. Acho que a noção de crime deve ser revista.

A pirataria, da qual eu levanto a bandeira e a defendo, é o mais perfeito retrato de um país desigual e corrupto, além de ser um grito dos excluídos para os que ditam as regras e distribuem ridiculamente a renda que faz do Brasil um país emergente.

Pergunto a você, leitor, quem é o cidadão que ganha um salário mínimo no Brasil, que tem de pagar contas de luz, água, gás, além de comer, vestir e manter filhos em escolas; que pode comprar um CD original por 40 reais (quando é simples) ou 70 (duplo)? Quem pode, com essas condições financeiras, comprar um DVD por 70 ou 90 reais? Eu mesmo respondo: ninguém. Se esses produtos são consumidos, não é, com certeza, pela maioria da população brasileira, que ainda rala muito para conseguir comer e sobreviver. No Acre, por exemplo, temos ainda de considerar que mais de 30% do salário vai para o decrépito transporte público.

Agora me vêm pessoas falando do crime que se comete com a pirataria no Brasil, e do quando se deixa de arrecadar por causa disso. E querem arrecadar mais para quê, se o resultado de tanto imposto não chega aos lares brasileiros? Ridículo esse discurso do combate à pirataria, e ainda mais ridículo é dizerem que a pirataria “patrocina” o crime organizado no Brasil, quando todos sabem que quem mantém o crime organizado é o tráfico de droga, o qual a polícia do Brasil nunca conseguiu combater, talvez por que parte dela, em função dos salários ridículos, dependa do crime para ter segurança e condições de cuidar de sua família.

O pior de tudo é dizer que a pirataria é um crime contra a cultura, quando ela faz o que o Brasil, com sua política cultural deficiente nunca conseguiu fazer: levar cultura aos menos favorecidos. Se hoje as pessoas assistem aos filmes nacionais, é por causa única e exclusivamente da pirataria, que consegue chegar a essa maioria de pessoas carentes não apenas de grana, mas também de cultura. Sem a pirataria, as pessoas simplesmente não conseguiriam ouvir música brasileira, e seriam obrigados a ouvir aquilo que a mídia força. A cultura deve ser sempre uma escolha, uma forma de o sujeito interagir com aquilo que ele considera como parte de si, como um algo que lhe traduz, expressa.

Quanto ao cinema, com a pirataria, as pessoas passaram a assistir a filmes brasileiros, os quais sempre sofreram com a máquina americana de produzir filmes e dinheiro (pra eles). Quem está disposto a pagar R$ 18,00 para ver um filme com péssimas condições no Cine João Paulo, por exemplo? Ainda nos parece mais proveitoso pagar R$ 10,00 por 3 filmes e os ver em casa, mesmo que se corra o risco de “danificar” o seu precioso aparelho de DVD, que custa mais barato que um DVD original. Agora, que o cinema é visto por muitos brasileiros, querem questionar a forma como estes têm acesso a essa cultura. Volto a dizer: a pirataria permitiu ao pobre ter um pouco de cultura, mesmo sendo de massa. A internet, que é a grande possibilitadora disso tudo, tornou-se o instrumento de inclusão cultural, permitindo e levando aos pobres o que antes era restrito a pequenos grupos. E sabe por que os produtores de cinema e música no Brasil e no mundo condenam a pirataria? Porque estes recebem salários milionários e não compreendem o que é viver com um salário mínimo. E sabe quando eles realmente vão abrir os olhos para a pirataria? Quando seus salários milionários diminuírem por causa dela, o que ainda não tem acontecido. Quando isso acontecer, talvez eles desçam de seus pedestais – ou calçadas da fama – e vejam que a pirataria é apenas uma forma que as pessoas pobres têm de adquirir cultura num mundo em que ser culto custa muito caro.

Agora, viveremos a era em que os e-books vão fazer pelas pessoas o que o Brasil nunca fez: levar livros “baratos” ou “de graça”, de modo que todos agora poderão ler os livros que antes também se restringia a um grupo ainda menor que os dois primeiros. Quem pode ler um Saramago ao preço de R$ 60,00? Não com certeza o assalariado brasileiro.

É hora de repensarmos a política cultural no Brasil e combater a pirataria não a tratando como um crime, o que é impossível de se fazer, mas dando às pessoas que precisam de cultura a possibilidade de elas a adquirirem por meios lícitos, se assim o consideram. É baixando os impostos, os preços dos produtos culturais, pagando salários decentes que vamos conseguir levar cultura aos alimentadores da pirataria. O Brasil tem uma nítida crise cultural porque as pessoas anseiam por arte e o país não tem condições de levar a todos. E depois vêm falar de inclusão cultural e “os cambau”. Enquanto no Brasil as coisas funcionarem assim, levanto a bandeira da pirataria e afirmo que ela é a melhor forma de inclusão cultural.

Alguém duvida? Prove-me o contrário.

*Sergio Santos é professor de Língua Portuguesa na UFAC e, nas horas vagas, é escritor