sexta-feira, 5 de setembro de 2008

O TESTÍCULO DA MÃE

Por Luciano Pires

Seu pai e sua mãe têm dois testículos. Ambos de seu pai, evidentemente, já que sua mãe – se for daquelas mães tradicionais – deve ter nenhum. No entanto, estatisticamente posso fazer o seguinte enunciado:

- Seus pais têm, em média, um testículo cada um.

Imaginou a cena? Seu pai e sua mãe, cada um com um testículo? Parece absurdo, não é? Mas estatisticamente está correto. O erro então é de quem? Da estatística? Do estatístico? Ou da interpretação que costumamos fazer das estatísticas?

Nos períodos eleitorais as estatísticas ganham as páginas dos jornais e revistas e as ondas das rádios e das televisões. Principalmente através de pesquisas, instrumentos fundamentais para os marqueteiros que empacotam muitos dos punguistas candidatos.

Nas mãos de quem sabe usar, estatísticas são armas. Nas mãos de quem não sabe interpretá-las, são armadilhas. E nas mãos de quem sabe manipulá-las, instrumentos de poder.

O IBGE, por exemplo, anunciou algum tempo atrás o resultado de uma grande pesquisa sobre o perfil da população brasileira, revelando que somos um país que caminha para a maioria de negros. Mas quando verificamos as bases da pesquisa, descobrimos que, para efeito de classificação estatística, qualquer pessoa que não seja branca, é negra. Um negro casa-se com uma branca. Têm um filho mulato que, para efeito da pesquisa, é considerado... negro. O resultado estatístico é corretíssimo. Mas a artimanha da classificação em brancos e negros é questionável. Até mesmo moralmente. O filho do casal deveria ser considerado branco? Claro que não. Nem negro. Mas quem categorizou as – digamos – “etnias” não considerou os mulatos. Ou é branco, ou é negro. E o resultado da estatística está aí, sendo utilizado para propor políticas públicas, definir orçamentos, alimentar Ongs e as tais cotas raciais.

Outra pesquisa recente apontou que o Brasil é um país onde a maioria das pessoas é de classe média. Basta olhar a classificação utilizada para determinar “classe média” para entender os objetivos da pesquisa. Você acredita sinceramente que uma pessoa que ganhe um salário de mil e seiscentos reais é “classe média”? Para a pesquisa, é. E tome manchetes...

Em minhas palestras utilizo vários exemplos de como as estatísticas e os números absolutos são usadas para manipular a opinião pública. Um que gosto muito, pelo didatismo, capturei numa edição da Gazeta Mercantil de 30 de abril de 1999. O texto dizia assim: “O Indicador do Nível de Atividade da indústria paulista caiu 5,7% em março, em comparação ao mesmo período de 1998. Em relação a fevereiro, o crescimento foi de 2,67%.” Analisando o texto pela comparação março de 1999 com março de 1998, o título seria “Nível de atividade da indústria cai 5,7%”. Se a comparação fosse feita entre março de 1999 e fevereiro de 1999 o título seria “Nível de atividade da indústria sobe 2,67%.”. Qual título você acha que foi publicado? Claro que o “cai 5,7%”, não é? Título correto, representando uma verdade absoluta! Mas que ganha outro significado quando analisamos as tendências. Caiu? Caiu. Mas está subindo.

É impossível analisar uma estatística sem conhecer o contexto. É impossível contar alguma coisa sem defini-la, sem categorizá-la, sem traduzi-la para indicadores que possam ser medidos. E quem define e categoriza as coisas? Quem definiu que mulato é negro? Quem definiu que mil e seiscentos reais é padrão para classe média? E essa categorização foi feita com que objetivos?

Prestem atenção, meus amigos! Quem define e categoriza o que será medido pode manipular qualquer resultado estatístico.

Pode até colocar um testículo na sua mãe.

Luciano Pires é jornalista, escritor, conferencista e cartunista. Faça parte do Movimento pela Despocotização do Brasil, acesse www.lucianopires.com.br.

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