Mary Zaidan*
Democratizar os meios de comunicação em defesa do interesse popular. Essa cantilena será exaustivamente repetida durante as plenárias da 1ª Conferência Nacional de Comunicação (Confecom) que começa nesta segunda-feira, dia 14, em Brasília.
Em nome dessa premissa, que é bonitinha e parece ser politicamente correta, aqueles que se portam como donos do interesse popular vão, mais uma vez, se amparar no antagonismo de resultados - ou pensam como nós ou se está contra o povo.
Uma prática que o presidente Lula, o PT, sindicatos e movimentos sociais umbilicalmente a ele ligados querem perpetuar.
O script é conhecido: demonizar a grande imprensa – para eles, a origem de todos os males -, defender maior fatia de recursos do erário e mais presença estatal no setor, reeditar mecanismos para normatizar, fiscalizar e controlar meios e conteúdos.
Por fim, aprovar uma plataforma radical de mudanças, com muito jogo de cena e palavras de ordem, para delírio da platéia e conforto daqueles que querem garantir empregos públicos. E tudo feito em nome do povo.
Mas quem disse que é isso que o povo quer?
Pergunte ao povo o que mais lhe apraz, se a programação da tão amaldiçoada TV Globo ou a da TV Brasil, canal estatal definido como TV pública, que consome dinheiro do contribuinte e comemora quando alcança mais do que traço de audiência.
Pergunte aos milhões de cidadãos recém incluídos no mundo da informação via internet o que fariam sem a satânica grande imprensa, que mantém vivos os milhares de blogs, twitters e outros tipos de redes sociais espalhadas por todos os cantos do país, fornecendo-lhes conteúdo e subsídios para as críticas.
Vale ainda perguntar aos detratores da mídia de massa por que os marqueteiros do Governo Lula orientam suas agendas, com precisão quase britânica, para marcarem eventos públicos em horários globais.
Nessas horas eles acreditam que os interesses do povo passam pelo Jornal Nacional?
Desde sempre, o petismo e o seu líder máximo encarnam o papel de donos do povo, constrangendo os que com eles não concordam.
Despejam sobre nós vontades próprias que só servem aos seus próprios interesses e taxam como inimigo do povo qualquer um que ouse pensar diferente.
Desta vez, o impalpável interesse popular será usado para tentar estabelecer parâmetros de controle dos meios de comunicação, ou melhor, um novo marco regulatório – esse nominho besta que agora virou moda.
E para propor a reedição do já repudiado Conselho Nacional de Comunicação.
Travestida de democratização da informação, esse tipo de proposta acaba por atingir outro alvo: a imprensa livre.
E imaginem como ficarão animados os defensores do tripé normatizar, fiscalizar e controlar os meios de comunicação poucos dias depois de a Corte Suprema se prender a questiúnculas jurídicas para institucionalizar a censura no país.
Dá medo.
Como bem diz o jornalista Sérgio Vaz, prefiro “mil vezes ter de conviver com o reacionarismo idiota, cego e pretensioso de uma Veja e com o poder acachapante de uma Rede Globo, do que viver em um mundo de Pravdas e Granmas.”
Na avessa América Latina, que parece caminhar na contramão do resto do mundo, os mecanismos de controle têm tido, assustadoramente, terreno fecundo para crescer e se multiplicar.
Os exemplos são didáticos. Hugo Chávez – exaltado sempre pelo Governo Lula como dirigente de uma nação que tem “democracia demais” - já baniu canal de TV, sufocou e arruinou jornais da Venezuela; o povo da Bolívia, do Equador e até da tão altiva Argentina, há alguns anos nas mãos do casal Kirchner, se vê derrotado pelo poder do Estado de lhe cassar a liberdade de expressão.
Todos eles respaldados na hipocrisia que nominam como interesse popular.
Por aqui, se defendem. Dizem que, ao tentar fixar instrumentos de controle, a meta é contrapor-se ao poder das empresas de comunicação e não ao livre exercício do jornalismo.
Só não mostram onde está a linha divisória. Tentam, mas não conseguem disfarçar, que o xis do problema é o fato de o jornalismo não oficial desagradar. Jornalismo critica, denuncia, investiga, dá azia.
Beira o impossível crer nas boas intenções de quem age como dono do povo. Esses, na maior parte das vezes, preconizam a liberdade, mas só consideram essa liberdade saudável quando devidamente vigiada.
Comportam-se como se o povo precisasse ou desejasse tutela. Usam e abusam do povo por ganhos imediatos. Uma equação mais do que perversa, pois, quando se furta a liberdade, ninguém perde mais do que o povo.
*Mary Zaidan é jornalista. Trabalhou nos jornais O Globo e O Estado de S. Paulo, em Brasília. Foi assessora de imprensa do governador Mario Covas em duas campanhas e ao longo de todo o seu período no Palácio dos Bandeirantes. Há cinco anos coordena o atendimento da área pública da agência 'Lu Fernandes Comunicação e Imprensa'.
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