Por Assem Neto*
Em 2003, a juíza Maria Tapajós prestou um depoimento-desabafo na CPI da Pedofilia do Senado Federal. Silenciou o plenário, composto por autoridades jurídicas, parlamentares e curioso, ao revelar como a exploração infantil era exercida no Acre. Era o auge de uma luta praticamente solitária da saudosa magistrada para combater crimes que, segundo ela, estavam fora de controle e interrompiam a vida de vítimas às quais ela tinha afeto similar ao de mãe.
Pedofilia no Acre II
Os fatos levados por ela à CPI continham imagens tão fortes que alguém da platéia precisou de socorro médico. Com presidente e vice da comissão, às portas fechadas, em seguida, a juíza selou a sua preciosa colaboração. Em suas palavras, percebia-se um grito de socorro
Pedofilia no Acre III
Reproduzo abaixo alguns dos trechos marcantes do desabafo, constantes de um relatório oficial inclusive de conhecimento dos poderes constituídos (do Acre e da República). Relendo, lembro do semblante triste da juíza, quando, nas diversas oportunidades que tive de entrevistá-la, forcei, com o ímpeto natural de repórter, declarações que ela jamais abriu. Pudera: ela era a ética em pessoa, sofria com a impunidade e tinha a esperança de, um dia, sem espantar a presa, a justiça, enfim, fosse feita.
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“Nós nos assustamos com o número de pessoas influentes que têm essa prática de violentar nossas crianças, a troco de um picolé, a troco de um ursinho de pelúcia e a troco de uma volta de carro, quando não de um iogurte”.
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“É uma rede, e uma grande rede com punhos bem grossos, e é o que nos preocupa bastante”
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“Acho que há pouco interesse, há pouco empenho, há pouca preocupação de muitas autoridades, de muitos organismos, da própria sociedade, que fecha os olhos, que se cala e isso nos traz muita indignação”.
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“Têm coisas que acontecem no Acre a olhos nus”.
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“A coisa está ficando tão grave, e a nossa preocupação como Justiça, minha principalmente, não sei se é porque tenho um afeto todo
especial à criança e o adolescente, é que as pessoas estão encarando, a meu ver, com uma certa naturalidade”.
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“Alguns procedimentos também, não sabemos as razões; porque não caminham, não andam, estão emperrados”.
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“O Acre é muito pequeno, todo mundo se conhece e quando não é parente é muito amigo, é parente do marido, é parente... Tem alguma afinidade. Então fica difícil também para as pessoas desempenharem um trabalho mais eficiente”.
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“Nesses crimes contra os costumes a vítima é vítima várias vezes. Ela se constrange várias vezes: primeiro por ter sido violentada;
depois tem que fazer um exame de conjunção carnal – vai abrir a perninha, é mais um constrangimento –; fala para o delegado; fala para o juiz; fala para o promotor; e aí vai falando. Chega uma hora que ela diz: “Eu não quero mais falar nesse assunto”.
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“A criança, apesar de ser inocente, já tem aquele sentimento de pudor”
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“A nossa maior preocupação não é com aquelas que estão nas esquinas. Preocupamo-nos com aquelas pessoas que têm mansões ou chácaras um pouco afastadas de Rio Branco e que contam sempre com um personagem ou dois que fazem a escolha das meninas para levar para essas chácaras. Lá acontece tudo que vocês possam imaginar”.
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“Essas pessoas ganham dinheiro – muito –, e quanto mais nova for a menina e se for virgem, maior a gratificação. Isso se tornou uma prática em Rio Branco”
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“Todo mundo sabe que as meninas de Rio Branco, de Xapuri e de Senador Guiomar também são recrutadas para ir para Cobija e têm entrada franca, apesar da existência de um termo de cooperação, mas isso não funciona infelizmente”.
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“Ouvimos um depoimento em que uma adolescente diz que boliviano não gosta de bolivianas, que eles só querem brasileiras, inclusive são figuras do exército, são governadores que, em algumas situações, fecham determinadas casas, obrigam as meninas a usar cocaína, tomarem uísque”.
* Assem Neto é Jornalista e escreve em seu blog.
quinta-feira, 14 de maio de 2009
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