Por Sérgio da Costa Franco
As últimas revelações sobre os desmandos e as irregularidades do Senado da República geram, em qualquer cidadão de mediana consciência política, sentimentos de vária natureza: vergonha, raiva, desprezo, revolta, indignação. Vergonha, sim, embora não tenhamos nenhuma responsabilidade solidária com a patifaria, porque desejaríamos que as instituições nacionais nos honrassem perante o mundo, e que não ficássemos, os brasileiros, na triste condição de cidadãos de uma República de piratas. Raiva, também, porque assistimos, indefesos e inertes, à dilapidação dos recursos públicos e dos tributos que recolhemos ao erário. Desprezo maior pelos “pais da pátria” que alienam a própria honra em troca de miudezas eleitoreiras, ou que silenciaram, durante muito tempo, em face da evidência dos desmandos, do excesso de mordomias e de privilégios. Revolta e indignação, para não dizer mais, diante da gravidade das injustiças e atentados à ordem jurídica, que justificariam um “recall” coletivo, caso existisse tal instituto na Constituição brasileira. Pois, convenhamos, não há senador que se possa dizer inocente, diante do quadro de irregularidades que agora se desnudam. Haveria algum distraído que ignorasse o número espantoso de “diretores”? Haveria quem não soubesse dos “assessores” dispensados de frequência à Casa, dos mordomos em serviço domiciliar e privado, ou das casas funcionais postas a benefício de parentes? Os 663 “atos secretos” foram tão secretos assim, que não chegassem jamais ao ouvido dos atilados senadores?
Em realidade, os vexames em que se afundou o Senado da República não surpreendem muito. A tolerância e o compadrismo com que foram tratados outros episódios de falta de decoro antecipavam a desmoralização em que agora mergulha a Casa.
Há muito tempo que se reclamam reformas na estrutura daquela ala do Congresso, sobretudo pela estranhíssima presença de suplentes que se elegem na carona dos titulares, sem disputar eleições, e tão desconhecidos e secretos, que o próprio eleitorado não os identifica. Hão de fortalecer-se agora as sugestões do unicameralismo, que não se coaduna com a República federativa. Nunca se concebeu federação sem uma câmara territorial, onde as unidades federadas estejam igualmente representadas. Entretanto, sabemos que um centralismo crescente está destruindo o sonho da federação, e o país cada vez mais se assemelha a uma República unitária, sobretudo depois que os Estados perderam respeitabilidade, com a promoção precipitada de territórios federais a Estados supostamente autônomos. Rondônia, Acre, Amapá e Roraima, cujas populações, somadas, representam 1,76% do total do país, elegem 12 senadores em seu conjunto; São Paulo, com 22% da população brasileira, deve contentar-se com seus três. A despeito de todas as teorias a respeito das funções constitucionais do Senado, parece haver injustiça em forçar uma igualdade entre os gritantemente desiguais. Dentro desse quadro, não causaria muito espanto a solução unicameral, embora na Câmara dos Deputados também haja uma absurda distribuição das representações, desde que, aos pequenos Estados, com diminuta população, se assegura um mínimo de oito deputados. A regra, que veio do Direito Constitucional a toques de clarim, com o fito de assegurar maioria à falecida Arena, conseguiu sobreviver à Constituição cidadã de 1988, por obra de alguma misteriosa negociação política.
Ninguém imaginaria agora um Senado tão respeitável quanto aquele que Machado de Assis descreveu numa crônica excelente, sob o título de “O velho Senado”. Mas desejaríamos pelo menos uma corporação que cultivasse a austeridade e não envergonhasse e indignasse os seus eleitores.
*Sérgio Franco é Historiador. Este artigo foi publicado originalmente no Jornal Zero Hora.
segunda-feira, 29 de junho de 2009
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