Montezuma Cruz
Da Agência Amazônia
BRASÍLIA – Um clima de rígidas cobranças aos governos brasileiro e boliviano caracterizou nesta quarta-feira a reunião entre a Frente Parlamentar Brasil-Bolívia, Ministério das Relações Exteriores (Itamaraty) e Organização Internacional para as Migrações (OIM), para discutir a retirada de famílias brasileiras da faixa de 50 quilômetros de fronteira entre o Departamento (estado) de Pando e o Estado do Acre, em cumprimento à Constituição Nacional e ao Plano de Reforma Agrária daquele país.
Responsável pelo Programa de Reassentamento de Cidadãos Brasileiros na Bolívia, a OIM recebeu do Governo Brasileiro US$ 10 milhões para executar o trabalho de campo, reuniões com famílias, identificação de áreas para agricultura, criação de gado, pesca e agroextrativismo.
A intranqüilidade aumentou entre as famílias, que seriam 450 tidas como "vulneráveis", ao contrário das 243 anunciadas na reunião da semana passada. Mesmo sem ter chegado ao fim o censo socioeconômico feito pela OIM, cerca de três mil bolivianos vindos do Altiplano estão chegando à região de Cobija e os brasileiros supõem terem que deixar suas terras até o mês de novembro. "A situação pode ficar incontrolável", disse o chefe do Departamento de Comunidades Brasileiras no Exterior, embaixador Eduardo Gradilone.
O embaixador reiterou que médicos, funcionários públicos, militares, "alguns com atividade predatória", não fazem parte da lista inicialmente divulgada.
Delegação visitará a fronteira
Uma delegação de diplomatas e de representantes do Governo do Acre deverá visitar na próxima semana os municípios fronteiriços ao Departamento de Pando, na Amazônia Boliviana, para constatar, entre as famílias que deverão abandonar suas propriedades por decisão do governo daquele país, quem pretender ir para assentamentos em agrovilas ou deseja voltar para o Brasil. A delegação pretende negociar com o governo boliviano um prazo maior para a retirada das famílias.
"Até dezembro isso é impossível", protestou a deputada Perpétua Almeida (PCdoB-AC). Ela e o deputado Raul Jungmann (PSDB) pediram ao embaixador Gradilone uma reunião urgente, "apenas entre a Frente Parlamentar e o Itamaraty".
"Atropelamento"
"Para mim, essa decisão do governo boliviano é um atropelamento, por isso, aguardar ainda mais o final do censo da OIM significa um risco", alertou o presidente da Frente Parlamentar, deputado Fernando Melo (PT-AC). Ele cobrou do Ministério do Desenvolvimento Agrário e do Incra mais pressa para anunciar as condições desse retorno. "É preciso separar o prazo de conclusão do censo do prazo da saída das famílias, adotando-se logo os critérios para que isso aconteça", sugeriu.
Enquanto o superintendente do Incra no Acre, Raimundo Cardoso, transferiu toda responsabilidade para Brasília, o assessor do Ministério do Desenvolvimento Agrário, Laudemir André Müller, falou em "preocupação forte". "Pelo pé na terra, que alguns de nós temos, atuaremos em atendimento a uma marca do governo – o assentamento, por exemplo". Nada, porém, adiantou, em termos de áreas e de recursos.
Atraso no censo angustia famílias
BRASÍLIA – Mesmo colhendo informações sobre as propriedades, benfeitorias e identificando terras disponíveis para o reassentamento em território boliviano, a OIM deparou com situações adversas, informou Bárbara Cardoso Campos, da OIM.
"Chuvas intensas prejudicaram o nosso trabalho no Pando. Só em maio o governo boliviano determinou o prosseguimento do censo. Anteriormente, em novembro de 2008, o estado de sítio impediu qualquer possibilidade de reunião e, se o fizéssemos, estaríamos todos presos na época", ela disse. Reforçou que esses problemas constam de relatórios do próprio governo boliviano.
Segundo Bárbara Campos, somente em outubro de 2008 o Ministério da Terra boliviano determinou a localização de terras disponíveis para o reassentamento. No entanto, os mapas só apareceram seis meses depois. Com isso, a desinformação cresceu, atestou a deputada Perpétua Almeida.
Ao denunciar "números irreais", a deputada disse acreditar que há mais famílias fora dos primeiros resultados do censo. Ela cobrou informações sobre os métodos de trabalho da OIM na região. "Fiquei horrorizada na minha visita aos municípios acreanos fronteiriços à Bolívia. A maioria das famílias construíram suas vidas no Pando e não têm certeza do futuro, se optarem pelas agrovilas, Bolívia adentro".
OIM estranha maus-tratos a brasileiros
BRASÍLIA – Com 18 funcionários no escritório de Cobija, dos quais, dez são brasileiros, a OIM manifestou estranheza às denúncias de que estaria pressionando famílias para apressar a saída de suas propriedades. "É um programa voluntário, com assistência às famílias e soluções humanitárias", destacou Eugênio Ambrosi, um dos coordenadores da instituição.
"Não participamos de despejos, nem de expulsões. Nossa missão no Pando é construir um plano de saída digno e sustentável", afirmou Ambrosi. A deputada Perpétua Almeida sugeriu que eles fossem às emissoras de rádio e explicassem isso, porque pessoas se identificando como do quadro da OIM estariam fomentando um clima de terrorismo entre os brasileiros.
De acordo com o coordenador do programa de reassentamento, Miguel Alfredo Ruiz Lopez, as famílias poderão ser reassentadas "voluntária e dignamente" em áreas legalmente permitidas na Bolívia, o que lhes possibilitaria acesso a uma propriedade ou à ocupação de terras e consolidação de assentamentos. Ele manifestou a preocupação com a existência de dupla nacionalidade de filhos de brasileiros nascidos na Bolívia. "Os que estão lá há mais tempo poderiam ter promovido mais registros das terras, das propriedades e das próprias famílias", comentou.
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