Adailson Oliveira*
Ninguém soube traduzir a história da exploração da América Latina como o jornalista uruguaio Eduardo Galeano. O livro “As veias abertas da América Latina” ganhou notoriedade há dois meses, quando o presidente da Venezuela Hugo Chaves presenteou com a obra, em junho deste ano, o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama.
Para qualquer referência que se quiser fazer aos latinos, esse livro é leitura obrigatória. Tem uma frase de Galeano que me faz lembrar ou recordar as injustiças em nosso país. Ele exclama: “Quais as vantagens de não nascer?”.
Estava se referindo, claro, ao nascimento em qualquer das nações da América Latina. Será que vale a pena comemorar a cada nova vida que passa pela portas das maternidades? O que o escritor busca levantar é justamente o mundo em que esse recém-nascido se prepara para enfrentar.
Além dessa divisão entre ganhadores (diga-se países ricos e perdedores) e os pobres, temos enfrentado uma guerra interna. A miséria brasileira criou esquadrões da morte. Estão em todo lugar, não é preciso buscar exemplos no Rio de Janeiro, onde helicópteros são abatidos como no filme do Rambo. Basta conversar com o vizinho, que ele tem sempre uma história de violência para contar.
Lembre-se que os esquadrões da morte não são os marginalizados, que, muitas vezes, são vítimas do sistema. Entra nessa lista também aquele gestor público que desviou o dinheiro de um hospital ou posto de saúde e a conseqüência foi a morte de centenas de pessoas por falta de atendimento.
No livro, Eduardo Galeno faz referências aos Quihicas – vítimas das cerimônias dos índios que viviam no Planalto de Bogotá. Por aqui, temos nossos quihicas. Eles são enterrados todos os dias e colocados em frias estatísticas usadas por jornalistas para tentar explicar o aumento ou redução da criminalidade.
A violência explode e ainda aparecem as igrejas procurando explicações em planos metafísicos. Os homens responsáveis pela elaboração de uma Nação melhor estão preocupados com salários, com estrutura de gabinete, com benefícios.
Fracassamos em tentar conviver, em criar métodos politicamente corretos de sobrevivência. Nada resiste aos parasitas do poder, que mais parecem carrascos do que salvadores da pátria. Quando procuramos os órgãos que deveriam nos proteger, eles estão inertes ou então atentando contra nossas vidas.
Veja este final de semana. 'Luz', que lembra vida, estava tirando vida. Ele é o sargento da Polícia Militar que fez mais um "quihica", durante uma festa neste final de semana. Pegou a arma do Estado, que deveria ser usada para proteger, e matou Leandro. O motivo? Uma briga. Você sabe quem é Leandro? Nem interessa. Amanhã, ele vai ser a vítima 89, com RG 3456 e CPF com mais 11 dígitos. No entanto, Leandro tinha sobrenome: da Silva Alves. Sinal de que era ligado a outras pessoas: mãe, pai, namorada, amigos. Leandro tinha sonhos, desejos, amor, paixões e vontades.
Alguns desses sentimentos eram compartilhados. Foram destruídos, levados não só pelo 'Luz', mas por um sistema que não dá chances, que só sabe explorar e se aproveitar. É! Galeano tinha razão quando colocou uma frase que estava num muro em La Paz, na Bolívia: “Combata a pobreza, mate um mendigo”.
*Adailson é jornalista.
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