quarta-feira, 4 de novembro de 2009

BOA IMPRENSA ANTES QUE TARDE

Elson Martins*

A Amazônia é um patrimônio genético que interessa à humanidade conhecer e preservar. Mas ela continua sendo explorada criminosamente, servindo antes a interesses políticos e financeiros nacionais e internacionais. Enquanto isso, a mídia não consegue priorizar a região entre suas pautas, e faz pouco em sua defesa.

O premiado jornalista e sociólogo paraense Lúcio Flávio Pinto, editor do Jornal Pessoal e renomado conferencista de temas amazônicos, no seu livro “Guerra Amazônica”, faz uma descrição da imprensa que precisamos ter.

“Uma imprensa comprometida em ir atrás dos fatos e que divulgue as informações relevantes para a vida social; que divulgue os raciocínios, análises, idéias e propostas permitindo que os cidadãos tenham acesso aos fatos importantes antes que eles estejam consumados”. Enfim, uma imprensa que não deixe que “as decisões sejam privilégios de minorias, grupos de pressão ou interesses exclusivistas”.

Claudio Abramo, outro renomado brasileiro que a partir dos anos 1950 introduziu importantes mudanças em jornais, rádios e TVs do país, evoca a responsabilidade dos jornalistas com a ética, ensinando que sua ética deva ser a mesma do cidadão.

No livro “A regra do Jogo” que publicou em 1988, ele coloca dúvida sobre a alegação freqüente de que a falta de liberdade na imprensa impede a atividade jornalística com responsabilidade social. Segundo Abramo, “a liberdade de imprensa só é usada pelos donos das empresas”, afinal, “a grande imprensa é ligada aos interesses daquela classe que pode manter a grande imprensa”. Mas isso não o impediu de fazer jornalismo comprometido com os interesses dos cidadãos.

As mudanças verificadas nos últimos 30 anos não mudaram a regra do poder em vigor nas redações, exceto nas áreas ainda restritas da Internet.

Os jornalistas também abominam a censura e acusam os poderes políticos e financeiros pelas mazelas crescentes introduzidas nas redações. Mas calam diante da autocensura, a pior de todas, pela qual se deixam contaminar.

No caso do Acre, cujo governo tem perfil histórico de esquerda e se assume alinhado com movimentos populares, existe a expectativa de uma comunicação que consiga escapar das regras do jogo citadas por Claudio Abramo. Entretanto, o embaraço na mídia prossegue. A opção por fórmulas envelhecidas de convencimento deixa escapar a chance de sintonizar com os anseios dos povos da floresta que, por sua vez, ficam indecisos e alheios diante de projetos feitos em seu nome.

Nos últimos 100 anos, o Acre virou um imenso seringal juntando margem e centro no imaginário de índios, seringueiros, ribeirinhos e colonos; e também dos descendentes que vivem nas cidades. A identidade desse povo é uma mistura de ritos, sonhos, intuições e formas lúdicas de vida, entre outras qualidades incomuns que esperam a provocação certa para se empenhar na construção coletiva de um mundo novo.

A meu ver, essa provocação poderá ser feita através de uma comunicação baseada na informação verdadeira e limpa, sem censura, sem as regras que inibam os protagonistas da história acreana e amazônica. Mas uma comunicação qualificada. Uma comunicação que ouse misturar a informação científica e tecnológica com a tradição, ideologia, educação diferenciada e as artes; com os movimentos populares, a produção e a economia - sem excluir os pioneiros e os recém chegados - sem exigir diploma de quem se tornou sábio na vivência em um mundo singular.

Como amazônidas, portanto, precisamos conhecer melhor nosso ambiente e nossos valores, com os quais devemos argumentar de igual para igual nas relações econômicas, sociais e culturais com outras regiões e comunidades nacionais e internacionais.

*Elson Martins é jornalista acreano. Como repórter regional de O Estado de São Paulo, acompanhou a partir 1975 a primeira fase dos conflitos pela terra no Acre, ajudando a colocar Chico Mendes na mídia local e nacional. Foi um dos editores do jornal alternativo Varadouro, que tomou partido da luta dos seringueiros, índios e posseiros a partir de 1978. E-mail para contato: elson-martins@uol.com.br. Artigo publicado em 03/11/2009 no site kaxiana.

Nenhum comentário: