No mesmo estilo dos periódicos veiculados por associações patronais, sempre ciosas na difusão de idéias importantes para si mesmas, o texto levou à imprensa diária bordões próprios daqueles panfletos: o emprego prejudica a empresa, inviabiliza a atividade produtiva! Abaixo os impostos! Como sempre ocorre em períodos eleitorais, os empresários acentuam as suas pautas que são apresentadas à sociedade como constatações gerais da própria sociedade, e não deles mesmos.
Mas os fatos que embasam qualquer pleito podem ser analisados, discutidos, e isso mostra até onde servem para sustentar reivindicações.
Assim sendo, vamos aos fatos!
No primeiro parágrafo o autor argumenta que a “contratação de um funcionário com carteira assinada” exige do empregador o pagamento de “67,53% dos vencimentos”, que seriam “referentes aos encargos trabalhistas e previdenciários sobre o salário”.
Pois não exige.
Primeiro porque parte daquilo que o próprio texto denomina “encargos e tributos” é descontada direta e integralmente dos salários mensais dos trabalhadores – o INSS, por exemplo. Aliás, no tocante à Previdência, o trabalhador não pode sacar a própria contribuição e renegociar depois. Mesmo assim esse recolhimento tem uma função social inegável, pois paga as aposentadorias de quem trabalhou a vida inteira, paga os salários de quem adoeceu produzindo riquezas para os empresários, paga os afastamentos temporários por doenças, acidentes e outros motivos. O INSS, descontado dos salários brutos (e não das empresas, como o texto afirma), paga a assistência à saúde dos trabalhadores brasileiros garantindo corpos sadios para o desgaste no processo de produzir patrimônios privados.
Um ponto curioso da argumentação é o que Salomão define como “INSS a maior”. Sabe-se que a alíquota máxima de desconto para o INSS, calculada sobre o salário bruto é de 11%. O “INSS a maior” configura-se nos casos em que são recolhidos percentuais acima disso, mas atenção: o INSS devolve a diferença recolhida além do teto (ou, “a maior”).
O Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), por sua vez, foi uma exigência do próprio empresariado organizado e fortalecido pela Ditadura Militar de 1964, no contexto de repressão da liberdade de organização e expressão da cidadania. Em 1966 os empresários impuseram várias mudanças na legislação trabalhista que anularam a estabilidade empregatícia após 10 anos de trabalho. Em troca eles – os empresários – criaram o FGTS.
É por esta razão que o trabalhador não tem acesso a esse dinheiro imediatamente (a não ser na demissão). Os patrões, ao inventar o FGTS, impuseram regras para acessá-lo: somente quando os trabalhadores fossem demitidos ou por morte. Os militares criaram então o Banco Nacional de Habitação (BNH), que concentrava o manuseio do FGTS e financiava a construção de casas próprias para os trabalhadores de menor salário.
Quem construía essas casas? Empresas de construção civil, empreiteiras, escritórios de engenharia e arquitetura, lojas de materiais de construção – ou seja, o grosso de todo o “empreendedorismo” que “desbravou” o Acre a partir dos anos 60. A profusão dessas empresas na zona urbana rio-branquense, ao longo dos anos 60 a 80, foi um espetáculo curioso para olhos leigos. Mas eis aí a explicação.
O FGTS não só financiava grande parte desses negócios como ainda garantia o mercado de toda a cadeia produtiva do Acre pós-borracha: cimento, tijolo, telha, areia, barro, materiais elétricos etc. Isto sem falar no efeito amortecedor das crises, pois empregava trabalhadores de menor qualificação expulsos dos seringais pelo crescimento econômico da Ditadura Militar.
Na década de 90 o FGTS financiou o ainda o Fundo de Assistência ao Trabalhador (FAT), disputado como um butim pelos ggrupos financeiros que buscavam incorporar aos seus patrimônios os encargos e juros pagos pelos trabalhadores nas numerosas parcelas da casa própria. Os que conseguiram, cresceram, expandiram atividades e são hoje os parceiros do nosso processo de “desenvolvimento sustentável”.
Aqui e no resto do país, banqueiros, financistas, industriais, construtores e comerciantes em geral organizam parte de seus negócios contando com essa fonte de apropriação privada. Aliás, haveria uma comoção nacional se ganhasse força a idéia de distribuir todo o FGTS já recolhido, acrescido da incorporação financeira, para todos os trabalhadores credores. É por isso – atenção, diretores da FIEAC – que o fundo não acaba!
Já os salários, férias, 13º, aposentadoria, jornada de trabalho, descanso semanal remunerado e outros, são direitos confirmados pela Constituição de 1988 como tentativas de construir uma sociedade democrática com partes desiguais. Sem contar que já é senso-comum muitos trabalhadores serem convidados a relativizar tais direitos em troca de “vestir a camisa da empresa”, “mostrar serviço” e coisas do tipo.
Ou não é assim que se “cresce na firma” hoje em dia?
É no mínimo curiosa a defesa da flexibilização dos direitos do trabalhador, quando se sabe que o crescimento da massa salarial permite a realização dos ciclos econômicos, a circulação das mercadorias e engorda os bolsos dos empresários. Portanto, a FIEAC deveria dizer em alto e bom som: Viva o emprego e os direitos sociais!
Mas isso não ocorrerá. Somente escamoteando esses dados é que os empresários conseguirão fazer a sociedade agradecer pelo emprego e aplaudir o fim dos “encargos trabalhistas e previdenciários” como se fosse uma conquista para todos. Mas não é. Vagas de emprego exigem qualificação, que pressupõe investimento que por sua vez requer alguma reserva salarial.
Como pode haver reserva, como existiria salário, entre desempregados sem qualificação? O que espera essa gente, a não ser subempregos subassalariados, temporários, "voluntários" etc? O artigo não responde.
Parodiando o texto “salomônico”, isto sim é um pecado. Só não é original.
*Josafá é jornalista
Um comentário:
necessita di verificare:)
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