Sergio Santos*
Vamos falar de educação. Mas não vamos falar do velho discurso de que o país só vai evoluir quando tiver educação de qualidade, pois isso é um clichê, embora mantenha ainda o valor de verdade. Vamos falar sobre o que as pessoas – principalmente os governos – pensam sobre educação.
Não sou um homem velho, tenho apenas 30 anos; mas me sinto, muitas vezes, antigo – e podem dizer alguns até antiquado. Sou do tempo em que a Educação (vou grafá-la com maiúscula por respeito e devoção) podia até não valer tanto, mas era feita com certa responsabilidade. Hoje, contudo, vejo que ela, assim como as estradas, são meras possibilidades para promessas de políticos que não estão, e nunca estiveram, interessados em “revolucionar” (desculpem a palavra próxima) porra nenhuma.
Sou de uma época em que o professor, mesmo sem o “grande salário” de hoje, era uma figura respeitada; seu ofício nos fazia até relembrar os velhos filósofos que se distinguiam dos outros pela importância que tinham. Educação já foi, em áureos momentos, a transmissão do conhecimento, o enriquecimento da alma do sujeito, a construção do indivíduo, o prazer pelo ofício primeiro das profissões. Se ninguém vai ao pai senão pelo filho, ninguém vai à profissão senão pelo professor, que é o responsável por parte da construção do indivíduo, pela formação mesma de suas ideias, de seu comportamento, de sua posição diante dos fatos do mundo. Pode parecer romantismo didático, mas o professor tem uma importância fundamental na vida de cada indivíduo que passou pelos bancos de uma escola.
Entretanto, vejo com muita desolação a forma como tem sido tratado o professor hoje em dia. Dizem – pelo menos por aqui – que ele tem um bom salário. Mas quem disse que é isso que faz do professor um profissional realizado? Se a remuneração fosse a mola propulsora do indivíduo que passa no mínimo 4 anos fazendo uma faculdade para exercer o ofício de professor, ele já teria mudado de profissão, pois há outras que pagam muito melhor. A escolha da profissão está inegavelmente na paixão em ensinar – se alguns estão lá não por isso, devem ser infelizes ao dobro dos que sofrem por essa paixão.
Os governos acreditam que Educação se faz com bons salários e escolas bonitas. Ledo engano, queridos, Educação se faz com profissionais respeitados e valorizados. O respeito está em aceitar o que o professor diz, em acreditar nele, em aceitá-lo com ele é, sem querer que ele seja como o poder quer que seja. A liberdade do professor é tão fundamental quanto o da imprensa. Contudo, no Acre, não se tem visto nem uma coisa nem outra. Pergunte a qualquer professor da rede estadual e municipal se ele se sente livre para exercer o seu ofício. A resposta será unânime: “Temos de fazer o que nos mandam”. E o que eles – os governantes mandam? Ora, a resposta é simples: “Melhorem os números!”
Ah, os números! Será que vivemos na era matemática? Provavelmente! Pelo menos é o que se tem sentido por essas bandas daqui. O que passou a ser Educação foi a estatística. Hoje, não interessam – talvez só ao professor – se as pessoas estão aprendendo alguma coisa, se estão se dando conta de quem são, se percebem o mundo que as cerca. Hoje só se fala em número: foram alfabetizados tantos, tantos entraram na universidade, tantos milhões foram investidos na educação, tantas escolas foram feitas. Vivemos a era da Educação midiática, pois os dados são expostos nela, como se refletissem de fato a qualidade necessária para a formação do cidadão. Para tanto, criam-se programas de Educação para “arrumar” os números e “corrigir” a vergonha de um estado com tanta gente sem diploma. Poderiam economizar muito se só entregassem os diplomas, sem a necessidade de expor professores e alunos a situações degradantes como a farsa da Educação para jovens e adultos.
Dirão que sou contra educação de jovens e adultos e direi: não sou contra, sou a favor de Educação de qualidade para todo cidadão brasileiro, sou a favor do respeito por todos aqueles que pagam o maior tributo do mundo, sou a favor da valorização da construção do indivíduo, que precisa ser educado para poder se defender nesse mundo cada vez mais cruel e descarado. É ridículo pensarmos numa educação de qualidade quando os professores são obrigados a ensinar todas as matérias para os alunos, sendo que este profissional passa no mínimo 4 anos se especializando numa área para poder ter domínio do seu ofício. É ridículo “eles” – e todos sabem quem são eles – exigir que o professor não reprove ninguém, pois a “nova pedagogia” não mais assim e tal. A “nova pedagogia” uma ova! Não sabem nem o que é pedagogia. Falando sério: quem é “deles” que de fato entende de educação? Vamos ainda mais longe: quem “deles” tem filhos matriculados em escolas públicas? Na verdade, a maioria dos filhos “deles” nem estudam no Estado. Isso é a prova definitiva de que nem “eles” acreditam mais na Educação que tanto defendem.
Hoje, ao conversar com ex-alunos, deparo-me com a situação ridícula de professores recém-formados que não conseguem mais vagas para trabalharem no Estado ou nas prefeituras. Qual será o motivo? São vários, mas destaquemos dois: primeiro, a necessidade de dizer a todos que, por mais que eles (os professores) agora tenham diploma, quem manda ainda são “eles” – aqueles que sabemos quem são; segundo, para que contratar profissionais capacitados se não “eles” querem pessoas capacitadas? O certo é que hoje o Acre tem uma enxurrada de professores formados e sem empregos, mesmo depois que o Governo, em parceria com a Universidade, tenha lhes oferecido Nível Superior. Há algo a se acrescentar: pagar professores formados para trabalhar na zona rural, por exemplo, custa caro. Se é para ensinar no meio da mata mesmo, que pague a qualquer um! Esse é o pensamento visível “deles”.
Poderíamos falar ainda mais sobre Educação, mas paremos aqui para refletir sobre o que foi dito, sé o que foi dito servir para reflexão. Mas, enquanto as coisas não mudam por aqui, façamos cada um a nossa parte, lutemos sempre.
*Sergio Santos é professor de Língua Portuguesa na UFAC e, nas horas vagas, é escritor
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