Ronaldo Duran*
Tirou o resto de comida dos pratos. O saquinho de lixo da cozinha, que estava lotado, foi retirado da cestinha e, após receber um nó unindo as alças, levado para o balde de lixo. Após muita água e detergente, os pratos, talheres e copos estavam limpos. Pronto, cozinha arrumada. Seria a vez do banheiro. Novamente, a sacolinha de supermercado, vilã do meio ambiente, foi removida dos cestos dos banheiros. Lotadas, ela as apanhara, deu o nó de regra e as levou para a área de serviço. Destino? A grande lata de lixo com o saco preto de 100 litros.
Há quanto tempo usa as sacolinhas? Dez anos? Mais? Nunca se inquietou quanto ao uso das sacolinhas, a não ser durante as últimas semanas. Desta vez a filha estava inocente na história. Hoje, estando no segundo ano de biologia, a radicalismo havia amenizado. Difícil foi aturá-la no tempo do Vestibular e na época de calouro.
_ “Essa menina está um porre. Tem vez que se eu não reclamo, é capaz de deixar a todos no escuro dentro de casa. Quer poupar a luz do Planeta, pode?”, desabafara com a irmã ao telefone.
_ “A minha não chega a tanto, mas dá dor de cabeças também”, a irmã concorda.
A filha perturbou muito, mas desta vez a fonte era outra. A começar pelas séries de reportagens que seu canal preferido de televisão vinha mostrando. O impacto das ações humanas como predadora do meio ambiente. Antes os ambientalistas se esgoelaram apontando a caça predatória, o desmatamento criminoso, a emissão de poluentes nos rios ou na atmosfera, sem contar este ou aquele navio derramando petróleo e matando peixes aos montões.
As reportagens hoje mostram menos sangue e crueldade, mas nem por isso menos dano. As cenas mexiam com ela. A do pingüim olhando os gelos derretendo por conta do aquecimento global e sem perspectiva para onde ir. A dos raios ultra-violeta corroendo a pele humana mesmo num dia chuvoso. É de amedrontar. Agora, o ser humano não apenas está detonando as outras espécies, vegetais ou animais, mas matando a si mesmo. “Já pensou que confusão se as águas subirem 1, 40 m? O que seria da orla brasileira?”, esse suspiro lhe assaltava de repente.
“Pior é saber que eu estou ajudando a me matar, matar meus filhos, netos”, atormentava-se. Todo tormento exibe um limite. Chega uma hora que se toma posição contra o problema: luta-se para resolvê-lo ou se tampa os ouvidos diante dele, fingindo que não é tão importante.
Ela bem que queria lutar. Mas tudo que a TV e os cientistas alegam como causador do distúrbio ecológico é crucial no dia a dia. Como trocar o carro pelo ônibus? E não se trata dos coletivos serem lotados, desconfortáveis. Nada. Tem o lado do cômodo. Se tivesse um ônibus ou metrô de qualidade, ainda assim seria complicado largar o conforto do carro, da individualidade e entrar num coletivo com tantas pessoas. Isso sem contar a dor de cabeça que é ficar no ponto de ônibus, debaixo de chuva ou sol, e ter que caminhar uma ou duas quadras do ponto até o portão de casa. Só em pensar dá cala-frios.
Esta semana começa a Conferência de Copenhagen. Será um fiasco como a de Kyoto? E os gigantes do Atlântico Norte que querem “proteger” a Amazônia, mas são irredutíveis em baixar os níveis de poluição nos seus próprios quintais?
Como exigir que um país diminua a produção, ainda que seja a dos supérfluos? Contudo, no ritmo que se segue é bem capaz que nem o essencial seja produzido daqui a algum tempo.
“Não me importaria de andar de ônibus, se todos andassem. Não me importaria abandonar as sacolinhas de supermercados, se todos abandonassem. Não me importaria deixar de poluir, se todos deixassem de poluir...”, concluiu ela, sacudida pela consciência egoísta e tão humana do início do século 21.
*Ronaldo Duran é romancista e também escreve no blog Informativo Literatura Viva
quarta-feira, 9 de dezembro de 2009
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