quarta-feira, 17 de dezembro de 2008

ISCAS HUMANAS NA JUSTIÇA

Luci Teston*

O Ministério Público Federal no Acre (MPF/AC), por meio da Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão, ajuizou ação civil pública para que a União e o Estado do Acre sejam obrigados a adotarem medidas de proteção à saúde dos agentes que se submetem à captura do mosquito transmissor da malária (do gênero Anopheles), por meio do método da isca humana (human bait ou atração humana).

Pedidos

A ação, com pedido de liminar, é para que o Estado do Acre, por meio da Secretaria Estadual de Saúde, suspenda todas as atividades de captura de mosquitos transmissores da malária usando o método da atração humana até que seja instituído e executado um plano de diminuição de impactos à saúde dos agentes de captura.

Esse plano, no entendimento do MPF/AC, deverá contemplar a capacitação técnico-científica dos agentes de captura (por meio de cursos prévios e também periódicos); a disponibilização de equipamentos de proteção individual aos agentes de captura e a fiscalização quanto ao seu correto emprego; o controle da atividade de captura por meio de órgão que seja capaz de realizar a avaliação científica e ética dos procedimentos e o respeito a limites materiais de sujeição do corpo à pesquisa, compreendendo, entre outros, a proibição de alimentação dos mosquitos por meio de sangue humano.

Também há o pedido para que o Estado limite o tempo de trabalho dos agentes de captura enquanto iscas para a atração humana; que imponha limites físicos à exposição ao mosquito; que adote medidas de acompanhamento da saúde dos agentes (como exames e avaliações periódicas); que se faça avaliação periódica de dados que permita confrontar a utilidade das pesquisas analisadas e o dano gerado à saúde dos agentes de captura; e que se institua uma estrutura especial de apoio à saúde dos agentes, a fim de diminuir os danos à saúde dessas pessoas que estão expostas a um risco maior.

À União, o MPF/AC requer que se estabeleça, no prazo máximo de 90 dias (ou outro prazo a ser definido em decisão judicial), regras de diminuição de danos e riscos à saúde dos agentes de captura dos mosquitos transmissores da doença nos estados da Amazônia Legal, que deverão contemplar todas as exigências determinadas ao Estado do Acre.

Além disso, a União deverá criar uma comissão nacional de especialistas, com a finalidade de estudar, desenvolver e prescrever métodos de captura do mosquito transmissor da malária que possam substituir o método da isca humana, ou, alternativamente, financie e execute projeto que tenha o mesmo objetivo e alcance.

A ação também pede a criação de um banco de dados nacional, alimentado mensalmente com informações sobre a ocorrência de malária entre os agentes residentes nos estados que compõem a Amazônia Legal, com o intuito de analisar, periodicamente, a incidência de malária entre a população local em geral e entre os agentes de captura.

Permissão condicionada

Mesmo havendo estudos científicos propondo métodos alternativos de captura do mosquito, no entanto, diversos pesquisadores posicionaram-se no sentido de que, atualmente, não há método mais eficaz que o da isca humana em função do mosquito ser extremamente antropofílico (capacidade dos insetos de localizarem atividade humana). De acordo com informações de especialistas, médicos e biólogos, o manejo do método de atração humana é de grande valia para as pesquisas sobre a malária, que foi e continua a ser um grave problema de saúde pública na comunidade amazônica.

Assim, no entendimento do procurador da República Anselmo Henrique Cordeiro Lopes, que assinou a ação, não se pode nem sacrificar totalmente o interesse da coletividade de utilizar um instrumento de saúde pública, nem sacrificar a dignidade e a saúde individual, expondo a saúde a riscos sem o devido cuidado. A alternativa encontrada foi a permissão condicionada da utilização do método de atração humana da captura do mosquito transmissor da malária por agente pagos pelo Estado. Para o procurador, até que não se tenha outro método que possa substituí-lo, a isca humana somente pode ser admitida sob rigoroso controle técnico e ético, objetivando prevenir e reduzir os riscos e compensar os danos gerados à saúde dos agentes de captura.

O MPF/AC teve conhecimento dos fatos por meio da imprensa do Estado do Acre que, em maio deste ano, veiculou diversas matérias jornalísticas denunciando que pessoas estariam sendo utilizadas como “cobaias humanas” na região do Alto Juruá no combate ao mosquito da malária. Tais fatos foram criticados pela Associação Brasileira de Apoio e Proteção aos Sujeitos de Pesquisas Clínicas (ABRASPEC), que culminaram com a instauração de um Procedimento Administrativo, de um Inquérito Civil e, posteriormente, na elaboração de uma Recomendação para tratar da captura pelo método da isca humana. Como não houve consenso entre as entidades públicas quanto ao assunto, o MPF/AC considerou necessário propor a ação para que a Justiça Federal decida.

Após os pedidos liminares serem adotados, caberá ao Estado do Acre instituir e executar um plano de mitigação de impactos à saúde dos agentes de captura que servem de isca, que deverá conter todos os requisitos já expostos. A União, por sua vez, deverá, por meio da Secretaria de Vigilância em Saúde, do Ministério da Saúde, adotar, definitivamente, as providências já descritas.

Em caso de descumprimento de decisão judicial, há o pedido para que seja suspensa a execução financeira e administrativa de todas as despesas públicas do réu em mora com a Justiça que tenham como objeto atos publicitários, além de responsabilização civil e penal dos agentes públicos responsáveis pelo descumprimento da decisão.

* Assessoria de Comunicação do MPF.

Corrigindo a nota do MPF: reparem que existe um trecho da matéria negritado em vermelho, pois bem, vamos adicionar informações:

Primeiro: a imprensa acreana é omissa. Com certeza o Ministério Público Federal do Acre, através do Dr. Anselmo Henrique não obteve essas informações sobre as cobaias humanas através do jornais impressos e sites locais. Fazendo mais uma vez a justiça, quem levantou as informações foi o jornalista Francisco Costa, do Blog Repórter 24 horas que denunciou em primeira mão as mazelas pelas quais os agentes de endemias passavam no Juruá.

Segundo: através do blog do Francisco Costa, o jornalista Chico Araújo, da Agência Amazônia de Noticias, residente em Brasília fez repercutir o caso em seu site. Daí em diante, a reportagem tomou proporção nacional e internacional.

Ressaltando mais uma vez que a imprensa do Acre é dependente do erário público e nunca, jamais iria publicar uma matéria contra os interesses do "Governo da Floresta".

Um comentário:

FRANCISCO COSTA disse...

A verdade sempre aparece, essa é a justiça, esse é a essÊncia do jornalismo, que poucos conhecem...