Marina Silva*
De Brasília (DF)
Tivemos duas importantes decisões, na semana passada, que impactam o meio ambiente no Brasil, por meios e instrumentos diferentes. A primeira é boa e significa grande avanço. Decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) encerrou, definitivamente, a batalha de liminares que se desenrolava desde 2006 nos tribunais brasileiros, e que vinha permitindo a importação de pneus remodelados, usados, de outros países, principalmente da União Européia.
O STF confirmou a constitucionalidade das leis brasileiras que proíbem a importação de pneus inservíveis. A ação foi proposta pela Presidência da República por meio de instrumento jurídico chamado Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF). Por 10 votos a 1, os ministros concordaram com o voto da relatora, a ministra Cármen Lúcia Antunes Rocha.
De acordo com estimativas, de 2002 a 2005 entraram no Brasil cerca de 40 milhões de pneus. E 30% já chegaram como lixo ambiental. Ou seja, além de contarmos com um passivo ambiental produzido no Brasil, viramos depósito de resíduos altamente poluentes de outros países.
Os pneus ocupam, depois de descartados, um espaço considerável nos lixões. São altamente combustíveis, poluem rios, lagos, correntes de água e se tornam vetores de doenças transmitidas por insetos, como a dengue e a febre amarela. Atualmente já é possível a sua reciclagem, mas não existe ainda solução definitiva que seja economicamente viável e ambientalmente correta na solução para o passivo ambiental gerado pelos pneus.
A primeira grande vitória para a restrição à importação de pneus usados aconteceu em setembro de 2006, na Organização Mundial do Comércio (OMC), contrapondo a União Européia que havia alegado que as leis brasileiras representavam uma barreira não alfandegária ao livre comércio. Foi a primeira vez que o órgão tomou uma decisão levando em consideração problemas de saúde e ambientais. Resultado de um exaustivo trabalho do Ministério do Meio Ambiente em conjunto com a delegação brasileira, que tive a oportunidade de defender pessoalmente em Genebra, na Suíça.
Agora, a ministra Carmen Lúcia sustentou, em seu excelente relatório, "que parece inegável a conclusão de que, em nome da garantia do pleno emprego - dado essencial e constitucionalmente assegurado -, não está autorizado o descumprimento dos preceitos constitucionais fundamentais relativos à saúde e ao meio ambiente ecologicamente equilibrado". O resultado, segundo o advogado-geral da União, José Antonio Dias Toffoli, é que agora "está proibida toda e qualquer importação, mesmo que baseada em decisão judicial, inclusive de países do Mercosul".
Infelizmente, junto com este avanço, veio o grande retrocesso. No dia 25, o presidente Lula sancionou a Medida Provisória 458/09 com apenas dois vetos, ao artigo 7° e parte do 8°, apesar de veementes apelos de parlamentares, de juristas e membros do Ministério Público, da sociedade civil organizada e de setores empresariais para que vetasse também o artigo 13. Com isso, foram mantidos os dispositivos que dispensam vistoria para a regularização das ocupações de até 400 hectares e os que permitem a venda da terra após apenas três anos de posse. Sem vistoria, não é possível separar o joio do trigo, ou seja, aquele que ocupou a terra de forma mansa e pacífica antes de dezembro de 2004 dos que agiram de má fé e usaram de violência e outros expedientes criminosos como falsificação de documentos e corrupção de agentes públicos.
Apesar dessas distorções que permaneceram na agora Lei nº 11.952/09, o momento é de buscar meios para que haja fiscalização, controle e transparência no processo e total respeito às áreas prioritárias para preservação da biodiversidade. Por isso, apresentei requerimento para que seja criada, na Comissão de Direitos Humanos (CDH), subcomissão para acompanhar os trabalhos de regularização fundiária e, se necessário, percorrer as áreas de conflitos fundiários mais intensos na Amazônia.
A queda consistente do desmatamento na Amazônia, que estamos observando desde 2005, vem sendo conquistada com muito esforço, graças a inúmeras medidas adotadas nos últimos anos. Mas os resultados desse processo de legalização do crime já praticado só serão sentidos mais na frente, quando a economia voltar a crescer e houver novamente o estímulo econômico para a conversão da floresta em áreas de pastagem ou de cultivo. Não podemos permitir que o perdão dos crimes do passado crie a expectativa de que tudo será novamente perdoado.
A construção de uma política de desenvolvimento sustentável para a região, com a adequada ocupação da terra, dentro de parâmetros social e ambientalmente responsáveis, exige firmeza e persistência, e não pode estar sujeita a retrocessos e conveniências. A luta pela mudança de paradigmas na Amazônia continua.
*Marina Silva é professora de ensino médio, senadora pelo PT do Acre e ex-ministra do Meio Ambiente.
terça-feira, 30 de junho de 2009
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